Por Walderez Nosé Hassenpflug.
Dentre as nossas necessidades fisiológicas, são a fome e a sede, segundo Maslow, que exercem a maior pressão para serem satisfeitas. Se isso não acontece, somos invadidos por sensações de desconforto, fraqueza e dificuldade para atender às demais carências. São necessidades que precisam ser constantemente atendidas e quanto mais fortes forem, maior a urgência em satisfazê-las.
Jesus se utiliza dessas necessidades tão humanas para nos fazer refletir sobre uma fome e sede de outra natureza: a espiritual.
Declara o Mestre que serão abençoados aqueles que sentirem fome e sede de justiça. Serão fartos, quando a busca pela justiça for tão imprescindível e vital quanto aplacar a fome e a sede do corpo físico. Seremos fartos quando a prioridade da nossa vida for “buscar em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça” e quando vivermos de acordo com os mandamentos desse Reino. Justiça é o fundamento de todos os mandamentos e virtudes. (Salmo 119:172)
Amós, profeta do Antigo Testamento, já anunciava que um dia a humanidade sentiria fome e sede de Deus: “Eis que estão chegando os dias... em que mandarei a fome sobre toda esta terra: não simplesmente a fome por comida, nem a sede de água; mas a fome e a sede de ouvir e se alimentar da Palavra do Senhor” e “sede de Deus, do Deus vivo”. Esses tempos chegaram com Jesus.
Ele se utiliza dessa carência tão humana e cotidiana para nos afirmar que “nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus”. Somos espíritos, e a palavra de Deus é o alimento que nos mantém “vivos” em espírito; vibrantes e atuantes. E somos, também, filhos e herdeiros de Deus, um Pai soberanamente bom e justo, como afirma Paulo: “Se somos filhos, então também somos herdeiros; herdeiros de Deus e coerdeiros com Cristo”. Herdamos do Pai Suas qualidades em potencial que, como sementes, um dia eclodirão na nossa consciência, despertando em nós o desejo de sermos bons e justos como Ele. Mas, antes, temos de instalar em nós a fome e a sede de Deus. Surge então em nós um anseio, um clamor, uma imperiosa necessidade de sermos íntegros, de pensar, sentir e agir com justiça, retidão e honestidade. Esse anseio, porém, nunca será inteiramente satisfeito, pois, quanto mais conhecermos Nosso Pai, mais e mais aumentará em nós nossa fome e sede por Ele.
No entanto, não podemos interpretar que a fome e a sede de justiça de que trata Jesus sejam um incentivo para julgarmos os atos do próximo, uma vez que Ele afirma que não veio julgar o mundo, mas salvá-lo. Não julgar não significa omitir-se, fechar os olhos para as injustiças, os erros; pelo contrário, significa abominar os erros, as injustiças, lutar pelos direitos, mas acolher com misericórdia quem erra, quem comete injustiças. Essa sede de justiça deve ser voltada mais para nós do que para o próximo. Quem tem sede busca dessedentar-se; é o primeiro e grande beneficiado.
Ter sede de Deus é assumir – por amor e obediência ao Pai – uma atitude justa, reta, digna perante Ele e toda a sua criação. Não basta compreender ou falar em justiça para sermos chamados “justos”, precisamos agir com justiça, como nos adverte São Tomás de Aquino: “não somos chamados justos pelo fato de conhecermos corretamente alguma coisa... Somos, ao contrário, chamados justos pelo fato de agirmos com retidão”.
No plano humano, justiça significa dar a cada um o que lhe é de direito; justiça, no plano divino, é “dar a cada um segundo as suas obras”. Dar a Deus o que lhe é devido: “amá-Lo de todo o coração, de toda a nossa alma, de todas as nossas forças e com todo o nosso entendimento”; e, por amar o Pai, amar também a Jesus, pois ambos formam uma unidade como afirmou o Mestre: “Eu e o Pai somos um”. Amar a Jesus é amar a nós mesmos e ao próximo da mesma forma como nos amou: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”.
Reconhecendo a imensa distância que nos separa desse ideal, manter viva a esperança de que um dia – se nos mantivermos fieis ao propósito de agir de acordo com a vontade do Pai – seremos saciados. Basta abrir a porta do nosso coração e convidá-Lo a entrar na nossa vida: “Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele e ele comigo”. Cear com Jesus é fazer a vontade do Pai: “Minha comida consiste em fazer a vontade do Pai e consumar a sua obra”.
Sim, já somos bem-aventurados, pois temos em Jesus um Mestre de amor e misericórdia, que nos acolhe e nos nutre com incomensurável ternura e amor, nos fortalecendo para viver de acordo com o que o Pai espera de nós desde sempre: “que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus". (Mq.6:8).
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