Por Nanci Premero.
Tudo que Jesus dizia ou fazia trazia reflexões a respeito da conduta moral do homem perante as leis de Deus. Em cada parábola, encontramos sempre dois sentidos: o que se refere aos costumes da época em que Jesus viveu e o significado espiritual que iria prevalecer para o futuro. Isso dava a chance àquele que estivesse ouvindo de entender de acordo com a sua compreensão.
A Parábola do Bom Samaritano surgiu de um questionamento – Que é o meu próximo? (Evangelho Segundo Lucas – cap. 10, versículos de 25 a 37; e Evangelho Segundo o Espiritismo – Cap. XV, item 2). Vamos a ela:
Certa ocasião, um perito na lei levantou-se para colocar Jesus à prova e lhe perguntou: “Mestre, o que preciso fazer para herdar a vida eterna?”.
“O que está escrito na Lei?”, respondeu Jesus. “Como você a lê?”
Ele respondeu: “‘Ame o Senhor, o seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma, de todas as suas forças e de todo o seu entendimento’ e ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’”.
Disse Jesus: “Você respondeu corretamente. Faça isso, e viverá”.
Mas ele, querendo justificar-se, perguntou: “E que é o meu próximo?”.
Em resposta, disse Jesus: “Um homem descia de Jerusalém para Jericó, quando caiu nas mãos de ladrões que o despojaram, cobriram-no de feridas e se foram, deixando-o semimorto. Aconteceu, em seguida, que um sacerdote descia pelo mesmo caminho e tendo-o percebido, passou do outro lado. Um levita, que veio também para o mesmo lugar, tendo-o considerado, passou ainda do outro lado. Mas um samaritano, que viajava, chegando ao lugar onde estava esse homem, e tendo-o visto, derramou óleo e vinho em suas feridas e as enfaixou; e tendo-o colocado sobre o seu cavalo, conduziu-o a uma hospedaria e cuidou dele. No dia seguinte, tirou dois denários e os deu ao hospedeiro, dizendo: Tende bastante cuidado com este homem, e tudo o que despenderdes a mais, eu vos restituireis no meu regresso”.
“Qual destes três vos parece ter sido o próximo daquele que caiu nas mãos dos ladrões?” “Aquele que teve misericórdia dele”, respondeu o perito na lei.
“Ide, pois, e fazei o mesmo”, lhe disse Jesus.
Samaritano era o judeu nascido na região da Samaria, que ficava entre a Galileia, onde estava situada Nazaré, e Judá, onde ficavam Jerusalém e o Grande Templo. As duas regiões – Samaria e Judá – rivalizavam-se. Os samaritanos eram desprezados e até perseguidos pelos judeus ortodoxos da região de Judá. Para ir da Galileia a Judá, o caminho mais curto era atravessar a Samaria, e Jesus fazia esse caminho sempre. E foi justamente um samaritano que Ele escolheu para ser o personagem desta parábola.
Para melhor analisá-la, recorremos a Caribar Schutel e Huberto Rohden e ao livro O Redentor, de Edgard Armond.
A doutrina de Jesus se baseia em dois grandes contrários: o orgulho e a humildade; e as personalidades mais importantes de todas as parábolas são sempre os pequenos, o povo subjugado pelas castas dominantes.
Desta, podemos tirar como ideia central que a separação de classes, segundo os conceitos humanos, não prevalece espiritualmente, e nenhum valor tem para o julgamento de Deus. Trazendo-a à nossa rotina, podemos considerá-la como as oportunidades de ajudar que deixamos passar e a dificuldade de identificar o nosso próximo mais próximo.
Sempre temos a teoria bem decorada, mas, muitas vezes, não temos a prática, ficamos presos ao nosso cotidiano e deixamos a vida passar sem perceber o quanto podemos ser úteis. Pode ser alguém que encontramos no elevador, na calçada, no coletivo, a quem deixamos de dirigir um olhar amoroso; pode ser aquele que está com vontade de se achegar a nós e, na nossa correria, nem notamos. Muitas vezes, aquele sorriso contido deixa de fazer um bem enorme.
Temos de olhar também dentro do nosso lar e de nossa família. Na maioria das vezes, é ali que o nosso abraço, o nosso olhar faz toda a diferença. A dificuldade aumenta quando a doença visita nosso lar. Dificuldade por um lado; por outro, é a oportunidade de praticarmos a caridade, porque não temos opção a não ser ajudar, conforme as nossas forças. E a força vem na hora precisa.
A pergunta que sempre está presente é a mesma do Doutor da Lei – que é o nosso próximo, como podemos identificá-lo? – esse questionamento sempre vai existir quando titubearmos em ajudar. A reflexão deveria ser – Será que isso importa? O mais importante não é ajudar, arregaçar as mangas e trabalhar em função do outro, nos esquecendo de nossa pequenez? O início da prática da caridade está em esquecermos de nós mesmos por alguns instantes. Certamente, reconheceremos quem é o nosso próximo e saberemos como atuar. O importante é estarmos dispostos a isso.
A parábola nos lembra que, como o Sacerdote e o Levita, a maioria dos que conhecem toda a teoria do Evangelho não consegue parar e ajudar àquele que necessita. Moramos numa cidade que inibe nossas ações pelo medo e pelas circunstâncias. O que fazer? É essa pergunta que sempre me faço. Nesses momentos, é preciso deixar que o coração dite as normas de conduta e realizar o que ele pedir. A ajuda do alto não nos falta quando estamos prontos para ajudar. Não é o conhecimento que aciona em nós a chavinha do ajudar. Ele nos leva a entender o quanto é bom ser bom, mas vai depender de nós realizar o que a nossa razão já entendeu.
Mas esta parábola abrange um espaço maior do que a nossa vida cotidiana, como bem nos ensina Cairbar Schutel. Vamos entendê-la no âmbito universal:
O viajante ferido é a humanidade saqueada de seus bens espirituais e de sua liberdade. É o que estamos vivendo, nosso mundo é invadido pelos bens materiais e ilusões, somos roubados de nós mesmos, esquecemos o verdadeiro ser que somos – o espírito.
O Sacerdote e o Levita são os líderes religiosos que, em vez de tratarem dos interesses da comunidade, tratam dos interesses dogmáticos e cultos de suas igrejas exteriores. Podemos dizer que é muito mais fácil falar do que realizar.
O Samaritano é o próprio Jesus que veio atender as nossas necessidades espirituais. O azeite é o símbolo da fé, o combustível que deve arder nessa lâmpada que dá claridade para a vida eterna, o Cristianismo vivo. É como se Jesus passasse em nossas feridas o azeite que cura e alimenta. Os dois denários significam a caridade e a sabedoria. A história de Jesus nos deu a sabedoria, a confiança e nos ensinou a prática da caridade. O hospedeiro representa os que receberam a sua doutrina para cuidar da humanidade sofrida. Podemos nos considerar esse hospedeiro.
Todos nós recebemos de Jesus sua sabedoria e seu ensinamento maior, amar o próximo. E, sabedores disso, temos condição de ajudar, começando pelo nosso pequeno mundo. De nada adianta querer curar a humanidade inteira se não conseguimos saber como ajudar a nossa pequena humanidade, aquela que nos pede ajuda todos os dias. Nós recebemos os denários e sabemos como nos conduzir, busquemos a força dentro de nós para que nossa fé se torne operosa e que nossas obras sejam do bem.
(Publicado na 10ª edição do Jornal Fraterno Maria de Nazaré, março de 2017.)
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